“A Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas”.

No sexto dia da 61ª AGBB, (16/04), Dom  Gilberto Pastana, Arcebispo de São Luís – MA, Presidente da CEA (Comissão Episcopal Especial para a Amazônia), apresentou de forma profética os trabalhos que a CEA tem desenvolvido.

Retratamos aqui sua mensagem na íntegra.

“A Igreja promove a salvação integral da pessoa humana, valorizando a cultura dos povos  indígenas, falando de suas necessidades vitais, acompanhando os Movimentos em suas lutas por seus direitos. O nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena dos povos indígenas, que nos leva a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus e a denunciar situações de pecado, estruturas de morte, violência e injustiça, promovendo o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico”.

Preocupados com nossa ação evangelizadora, partilho com os senhores um pouco de nossa
triste e cruel realidade, a partir da escuta do Clamor dos Povos da Amazônia e da Natureza, mesmo já passados 52 anos do célebre Encontro de Santarém em que os bispos da Amazônia, em atitude profética, definiram e executaram a necessidade de encarnação na realidade, os povos amazônidas continuam a ser desrespeitados em um dos seus direitos mais básicos: a autodeterminação.

A Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil,determina que esses povos “[…] deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural” (art. 7º, I). Assim, não cabe impor modelos de desenvolvimento sobre as minorias étnicas ou culturais.

No Documento de Santarém de 1972, os bispos da Amazônia já denunciavam o modelo de desenvolvimento imposto pelo regime ditatorial, que não levava em consideração nem a Natureza nem seus habitantes.

Em nossa região, periodicamente, um novo “projeto de desenvolvimento” é lançado sem consulta livre, prévia e informada aos que serão diretamente atingidos. São projetos hidrelétricos, de mineração, de infraestrutura, de monocultura, de pecuária etc.
Acarretam impactos desastrosos na Natureza e nos habitantes da região, aí incluídos os povos indígenas em isolamento voluntário.

O conhecimento das minorias deve ser valorizado como dádiva à humanidade. Como está no documento final do Sínodo pela Amazônia de 2019, o Colonialismo que defendia “a imposição de certos modos de vida de alguns povos sobre outros, seja economicamente, culturalmente ou religiosamente” (DF, 55), não mais prevalece.
No momento atual, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos amazônicos.

Nesta escuta, transparece a falta de demarcação dos territórios. Trata-se de um pleito fundamental. Ele sustenta os demais direitos, como saúde, educação, segurança alimentar, cultura etc. E não se trata de um direito restrito aos povos indígenas.“Mestiços, ribeirinhos, camponeses, quilombolas e/ou afrodescendentes e comunidades tradicionais” são sujeitos desse mesmo direito (DF, 47).

Por fim, o clamor que vem da Amazônia defende a Natureza como sujeito de direitos, em sintonia com o mesmo Documento Final do Sínodo para a Amazônia (n. 74, 84). O ponto de inflexão, de onde não poderemos mais voltar em relação à Amazônia, é quando o desmatamento passar de 20% a 25%. Já chegou a 17% na Pan-Amazônia; e na parte brasileira, a 20%. A consequência será um processo de savanização do bioma, afirmam os cientistas.

Devemos caminhar para reconhecer, em comunhão com os povos originários, que a visão antropocêntrica utilitária está superada, o que significa dizer que os humanos não podem mais submeter os recursos da natureza a uma exploração ilimitada, que coloca em risco a própria humanidade. Daí a necessidade de impor limitações éticas e ecológicas à ação humana.

O caminho para esse reconhecimento já estava aplainado pela Encíclica mais lida na  história da humanidade, a Laudato Si’, quando esta afirma que “a  Bíblia não dá lugar a um  antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas” (LS 68).

À guisa de conclusão, o clamor dos povos da floresta nos exorta, de forma urgente, a fazer coro na luta pela autodeterminação dos povos da floresta; pela demarcação dos territórios; pela consulta prévia sobre os projetos que lhes atingem, e pelo reconhecimento dos direitos da Natureza.

Rogamos a Nossa Senhora de Nazaré, rainha e padroeira da Amazônia, “Tocai a
sensibilidade dos poderosos porque, apesar de sentirmos que já é tarde, vós nos chamais a salvar o que ainda vive”.
Ó “Mãe do coração trespassado, que  sofreis nos vossos filhos ultrajados e na natureza ferida, reinai vós na Amazônia,  juntamente com vosso Filho.
Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono da obra de Deus”.
(Exortação dirigida à Mãe da Amazônia Querida Amazônia).

 

 

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