Orientações litúrgicas e pastorais quanto à cremação de defuntos

Prot. n. 395/2021
Livro VII

  

Orientações litúrgicas e pastorais quanto à cremação de defuntos

“Ele é a salvação do mundo. Ele é a vida dos homens e das mulheres. Ele é a ressurreição dos mortos”
(Missal Romano, Prefácio dos Fiéis Defuntos, III)

Como todos sabem, temos aqui na Arquidiocese de Campo Grande, há algum tempo, um crematório. Porém a cremação dos corpos ainda é um assunto que gera dúvidas, principalmente porque a Igreja, por séculos, foi contrária a tal prática, por uma série de razões, mas já há algumas décadas não somente a permite, como também vem atualizando o modo de proceder, sempre levando em consideração a intenção com que é realizada, a fim de que não estejam presentes motivações estranhas ou contrárias à fé católica.

Diante dessa realidade, pedi ao nosso caríssimo Pe Wellington José de Castro que elaborasse as presentes reflexões e orientações pastorais, que assumimos em nossa Arquidiocese.

A Instrução Piam et constantem, de julho de 1963, estabeleceu que “seja fielmente conservado o costume de enterrar os cadáveres dos fiéis”. Esta foi sempre a prática da Igreja, herdada da cultura hebraica, porque a inumação ou sepultura, por um lado recorda a terra de onde o homem foi tirado (cf. Gn 2, 7) e à qual retorna (cf. Gn 3, 19; Sir 17, 1), e por outro lado evoca a sepultura de Jesus, grão de trigo que, lançado à terra, produziu muito fruto (cf. Jo 12, 24). Porém tal Instrução acrescentava que a cremação não é “em si mesma contrária à religião cristã”, o que, posteriormente, no Código de 1983, veio a constar no Cân. 1176 § 3: “A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”.

No Ritual Romano é previsto um rito para as exéquias de cremados. Além disso, em agosto de 2016, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou a Instrução Ad resurgendum cum Christo a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação.

Há quem rejeite totalmente a incineração por acreditar que, por conta da ressurreição da carne no juízo final – que é a fé da Igreja, proclamada no Credo –, seria melhor apenas enterrar os corpos, e não reduzi-los a cinzas; porém “a cremação do cadáver não toca o espírito e não impede à onipotência divina de ressuscitar o corpo. Por isso, tal fato não implica uma razão objetiva que negue a doutrina cristã sobre a imortalidade da alma e da ressurreição dos corpos” (Ad resurgendum, 4).

A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos “uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos […], todavia na ausência de motivações contrárias à doutrina cristã, a Igreja, depois da celebração das exéquias, acompanha a escolha da cremação seguindo as respectivas indicações litúrgicas e pastorais, evitando qualquer tipo de escândalo ou de indiferentismo religioso” (Ad resurgendum, 4).

Deste modo, a Igreja dispõe que:

  1. Quanto ao rito de exéquias no caso de cremação, segundo o Ritual Romano das Exéquias (RE): Quando se trata de Missa exequial na igreja (ou em outra capela) antes da cremação do corpo, faz-se uso dos mesmos ritos e fórmulas que se usam nas exéquias habituais (RE 150). Neste caso, uma vez que este rito não inclui a procissão ao cemitério e a bên­ção do sepulcro, o rito da Encomendação e Despedida deve celebrar-se na própria igreja no final da Missa ou da Liturgia da Palavra (RE 151).–  De fato, embora seja melhor e mais expressivo celebrar o rito exequial antes da cremação do cadáver, se a família o preferir, também é permitida, em nossa Arquidiocese, que a cremação tenha lugar antes dos ritos exequiais (RE 152).– O RE traz em um de seus capítulos um rito próprio para a celebração das exéquias no caso de cremação, apresentando duas hipóteses: exéquias celebradas na igreja depois da cremação do cadáver (logo, com a presença da urna com as cinzas) e exéquias com o corpo do defunto na sala crematória:

    a) No primeiro caso – cremação antes dos ritos exequiais –, o rito pode celebrar-se perante a urna com as cinzas, mesmo que se celebre uma Missa exequial. Faz-se a acolhida das cinzas no átrio da igreja (RE 153), procede-se à Missa exequial ou Celebração da Palavra, unida à última Encomendação e Despedida (RE 154 – 160), após a qual a urna será levada, no fim da celebração, ao lugar – cemitério ou columbário – destinado para este efeito. A urna com as cinzas do defunto não poderá ser levada de novo à igreja para a comemoração do aniversário ou em outras ocasiões (RE 152).

    b) No segundo caso – com o corpo do defunto na sala crematória –, com a presença de um sacerdote, é possível realizar um rito simples – que não inclui a celebração da Missa –, com a Profissão de Fé, o Pai Nosso e outras orações (RE 161 – 165). Mais ainda: o Ritual Nossa Páscoa – Subsídios para a Celebração da Esperança (Paulus), que pode ser usado inclusive por leigos e leigas, traz também um rito de Encomendação no Crematório, composto de leitura da Palavra, orações, aspersão de água benta e incensação do corpo (pp. 103 –109), bem como no momento da deposição da urna com as cinzas (pp. 111 – 114).

No caso de o defunto ter claramente manifestado o desejo da cremação e a dispersão das cinzas na natureza por razões contrárias à fé cristã, devem ser negadas as exéquias, segundo o cân. 1184 (cf. Ad resurgendum, 8).

  1. Quanto à conservação das cinzas: “Quaisquer que sejam as motivações legítimas que levaram à escolha da cremação do cadáver, as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica” (Ad resurgendum, 5). Isso contribui “para que não se corra o risco de afastar os defuntos da oração e da recordação dos parentes e da comunidade cristã. Por outro lado, deste modo, se evita a possibilidade de esquecimento ou falta de respeito que podem acontecer, sobretudo depois de passar a primeira geração, ou então cair em práticas inconvenientes ou supersticiosas” (Ad resurgendum, 5).

É, portanto, proibido aos católicos conservá-las em casa, a não ser em casos de circunstâncias gravosas e excepcionais. Neste caso, “as cinzas não podem ser divididas entre os vários núcleos familiares e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação” (Ad resurgendum, 6).

Para que sejam evitados equívocos de natureza panteísta, naturalista ou niilista, fica proibido aos católicos de nossa Arquidiocese a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Também não é condizente com nossa fé a conservação das cinzas cremadas em peças de joalheria ou em outros objetos, como forma de recordação comemorativa (Ad resurgendum, 7).

Que estas Orientações Litúrgicas e Pastorais quanto à cremação de defuntos favoreçam o fortalecimento de nossa consciência cristã sobre a ressurreição de Jesus, verdade culminante da fé católica, sempre anunciada pela Igreja como parte fundamental do Mistério Pascal desde as origens do cristianismo (cf. Ad resurgendum, 2). De fato, os discípulos de Jesus sabem que “o sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo, em quem pomos a nossa única esperança. O cristão que morre em Cristo Jesus abandona este corpo para ir morar junto do Senhor” (Catecismo, 1681).

Campo Grande – MS, 29 de dezembro de 2021.

Dom Dimas Lara Barbosa
Arcebispo Metropolitano de Campo Grande – MS

Pe. Dr. Emilson José Bento
Chanceler do Arcebispado

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